quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A crise econômica, meio ambiente e trabalho escravo

Há pelo menos um efeito colateral “positivo” nessa crise econômica desgraçada que se espreguiça dos Estados Unidos para o resto do mundo: uma redução nos danos ao meio ambiente, do trabalho escravo e da expulsão de comunidades tradicionais.

Já disse neste espaço outras vezes que a Chicago Board of Trade, uma das maiores bolsas de mercadorias do mundo, tem mais “poder” para deter o avanço da soja sobre a Amazônia do que as políticas do Ministério do Meio Ambiente. Quando o preço mundial sobe, cresce o interesse por expansão sobre novas áreas por aqui. Se o preço cai, o inverso. Analistas já prevêem um tombo de quase 50% no preço da soja entre julho deste ano e o primeiro trimestre de 2009. Não é tão simples assim, mas é incrível como a relação direta funciona não só para o grão, mas também para outros produtos. Mesmo a indústria da carne bovina, que tem no mercado interno o seu principal comprador, também funciona com uma lógica semelhante.

Um amigo atentou para a possibilidade de que os trabalhadores temporários desses setores migrem para atividades mais danosas ao meio ambiente e a si próprios, como a produção de carvão ou exploração de madeira ilegal. Segundo ele, haveria escassez de postos de trabalho (já de má qualidade, diga-se de passagem), o que geraria esse êxodo para uma situação pior. Mas os indícios mostram que não haverá um pique nesse sentido, uma vez que as vendas internacionais e as cotações de produtos do setor siderúrgico também estão em queda. Ou seja, comprarão menos carvão vegetal produzido na Amazônia, uma de suas matérias-primas, que também é um dos principais vetores de superexploração do trabalho. Além disso, a construção civil nacional reduziu seu ritmo de expansão – e é ela um dos principais consumidores de madeira de desmatamento ilegal da Amazônia.

Não estou torcendo para o mundo ir para o buraco. Esse pensamento do “quanto pior, melhor” (usado, muitas vezes, tanto pelo PSDB quanto pelo PT quando fora do poder) é de uma completa irresponsabilidade. Lendo o noticiário da crise, percebe-se que especialistas adoram números, mas esquecem de pessoas de carne e osso, que podem perder, e muito, com ela.

Mas é importante mostrar que a crise deve arrefecer um pouco o rolo compressor do capital sobre a Amazônia e o Cerrado e, por conseguinte, diminuir o ritmo de desmatamento ilegal, de trabalho escravo, de expulsão de comunidades tradicionais. Estar atento a isso é importante para que possamos desenvolver ações para mudar o modelo de desenvolvimento predatório, que engole a gente e o seu meio. Ou seja, este é um bom momento para perceber essas relações negativas e planejar outros rumos, mais racionais e mais humanos.

Ao mesmo tempo, o governo federal deveria aproveitar esse momento e gastar dinheiro. Não em bancos e empresas que privativam lucros e socializam perdas, mas em uma reforma agrária real e decente e na geração de empregos e renda em regiões mais pobres. Estimular economias locais, indo além de políticas de transferência de renda, que têm um alcance limitado. Garantindo que aqueles que derrubariam a floresta, limpariam pastos ou produziriam carvão não fiquem sem emprego com essa crise e com as outras que virão.

O significado original da palavra crise não é “problema” e sim “mudança”. Que aproveitemos essa nuvem escura que se avizinha para arar melhor a terra par as próximas gerações. E não comprar guarda-chuvas.

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